A ilegalidade do novo aumento da cota-parte da Unimed Natal para R$ 200 mil: aspectos jurídicos e institucionais

Recentemente, a Unimed passou a exigir o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) como cota-parte para o ingresso de novos médicos em seu quadro de cooperados. Trata-se de um aumento significativo, especialmente se considerado que até este ano o valor exigido era de R$ 120 mil e que o estatuto social atualmente registra a quantia de R$ 84 mil como valor da cota.

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, este novo valor suscita sérias dúvidas quanto à sua legalidade. A Lei Federal nº 5.764/1971, que regula as sociedades cooperativas, estabelece critérios claros e vinculantes para a alteração de cotas-partes.

Previsão Legal

O artigo 21, inciso III da referida lei dispõe que o estatuto deverá indicar o valor da cota-parte a ser subscrita pelo associado.

Já o artigo 46, inciso I, da mesma norma, é categórico ao determinar que compete, exclusivamente, à Assembleia Geral Extraordinária deliberar sobre a reforma do estatuto.

Portanto, qualquer modificação no valor da cota-parte depende, legalmente, de alteração do estatuto social, a ser realizada mediante deliberação específica em Assembleia Geral Extraordinária, convocada com essa finalidade. Não é lícito ao Conselho de Administração assumir essa atribuição, tampouco aplicar valores superiores ao que consta no estatuto sem observância das formalidades legais.

Discriminação e ágio

Outro ponto que torna a prática questionável é a discriminação entre médicos cooperados. O valor de R$ 200 mil tem sido exigido exclusivamente dos médicos que ainda pretendem ingressar na cooperativa, sem qualquer obrigação de complementação por parte dos cooperados antigos. Tal conduta configura, na prática, cobrança de ágio, o que é vedado no âmbito do cooperativismo.

Nesse sentido, o Decreto nº 24.647/1934, ao disciplinar as cooperativas, proíbe expressamente a cobrança de prêmio ou ágio na entrada de novos associados:

“Art. 10. É proibido às sociedades cooperativas: (...) g) cobrar prêmio ou ágio pela entrada de novos associados ou aumentar o valor da joia de admissão.”

Além disso, inexiste registro da suposta alteração do valor da cota-parte perante a Junta Comercial do Estado, o que compromete a eficácia jurídica e a publicidade do ato.

Posicionamento institucional e jurídico

A prática de majoração unilateral e não estatutária da cota-parte não é compatível com os princípios do cooperativismo, sobretudo o da porta aberta, também consagrado na Lei nº 5.764/1971 (art. 4º, I, e art. 29). O próprio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg nos EDcl no AREsp 667.072/SP, já firmou entendimento no sentido de que o ingresso em cooperativas é livre, sendo vedadas restrições arbitrárias e discriminatórias.

No âmbito local, diversas decisões de primeira instância já reconheceram a ilegalidade dos aumentos da cota-parte praticados pela Unimed. Além disso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio de parecer do Procurador-Geral de Justiça, manifestou-se expressamente pela procedência das teses jurídicas que impugnam tais aumentos, no contexto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR nº 0807642-95.2019.8.20.0000), instaurado perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Não obstante esse parecer técnico-jurídico favorável e o histórico de decisões coerentes com a legislação cooperativista, o TJRN, ao julgar o IRDR, adotou um entendimento lamentavelmente equivocado, permitindo, na prática, a majoração da cota-parte sem a necessária alteração estatutária. Tal decisão colide diretamente com os artigos 21 e 46 da Lei nº 5.764/1971, comprometendo a segurança jurídica e os princípios do cooperativismo. Ainda assim, permanece a expectativa de que esse entendimento seja revisto, seja pelo próprio Tribunal em sede de eventual modulação ou revisão, seja pelo Superior Tribunal de Justiça, diante da flagrante ilegalidade da prática questionada.

Considerações finais

Diante do exposto, é legítima a preocupação quanto à legalidade do novo valor estipulado pela Unimed para ingresso de novos cooperados. O cenário demanda uma análise jurídica criteriosa, caso a caso, especialmente diante da possibilidade de violação de princípios legais, estatutários e constitucionais.

A atuação responsável e transparente é essencial para assegurar os direitos dos profissionais médicos e a regularidade institucional das cooperativas. Dúvidas jurídicas sobre o tema devem ser tratadas com o devido cuidado técnico e atenção às especificidades de cada situação.

Colocamo-nos à disposição para eventuais esclarecimentos.

 

Dumaresq – Direito Médico

 

Renato DumaresqComentário